sexta-feira, 25 de julho de 2008

Estranha

Estranha. Eu.

Quantas pessoas uma pessoa pode ser? Quantas pessoas diferentes cabem dentro de mim? Quanto eu ainda vou me surpreender comigo mesma, pro bem e pro mal?

Por que é que de repente eu não me reconheço? Me vejo de fora e estou olhando para uma estranha. Observo minhas atitudes e penso "Que que é isso, menina, cadê você?". Por que é que de repente eu fico insegura, envergonhada, preocupada?

Eu faço as coisas sem pensar, até aí, normal, essa sou eu. Arroubos, explosões, decisões de último segundo. And it feels so good. So fucking good. Mas de repente, do nada, de uma maldita hora para a outra, eu sumo. A Juliana Palermo some. E eu começo a pensar. Quê?? Pois é, eu começo a pensar, nas horas mais impróprias para pensamento. E daí eu viro uma menininha idiota morrendo de vergonha.

Eu juro que eu não sou assim. Eu queria saber o que está acontecendo comigo. Onde é que eu estou. Só isso.

Por que raios é que eu tenho pensado assim. Por que raios eu de repente baixo os olhos e não consigo encarar. Por que eu me importo tanto? Por que é que tinha que ser tão bom (merda!), e por que é que de repente eu, EU MESMA, a cantora, a atriz, a maluca, a que grita e berra e fala palavrão e não tem medo do ridículo, a que se expõe, expões medos e vontades e verdades, a que chora e se descabela e gargalha, a que diz "que se foda", euzinha, eu mesma, de repente viro uma banana? Uma menininha de cor-de-rosa, uma indecisa, sem jeito, mole...

Caralho, caralho, eu juro que essa não sou eu. Por onde é então que eu tenho andado? Eu só queria me reconhecer no espelho de novo.



Valham-me Carlos Drummond de Andrade e Elisa Lucinda!! Valham-me porque tá foda. Ouvi até passarinho hoje de manhã, e nem senti medo.

Drummond falando pra ele mesmo, propício como o Cão.

Não se mate
(Carlos Drummond de Andrade)

Carlos, sossegue, o amor
é isso que você está vendo:
hoje beija, amanhã não beija,
depois de amanhã é domingo
e segunda-feira ninguém sabe
o que será.

Inútil você resistir
ou mesmo suicidar-se.
Não se mate, oh não se mate,
reserve-se todo para
as bodas que ninguém sabe
quando virão,
se é que virão.

O amor, Carlos, você telúrico,
a noite passou em você,
e os recalques se sublimando,
lá dentro um barulho inefável,
rezas,
vitrolas,
santos que se persignam,
anúncios do melhor sabão,
barulho que ninguém sabe
de quê,
pra quê.

Entretanto você caminha
melancólico e vertical.
Você é a palmeira, você é o grito
que ninguém ouviu no teatro
e as luzes todas se apagam.
O amor no escuro, não, no claro,
é sempre triste, meu filho, Carlos,
mas não diga nada a ninguém, ninguém sabe nem saberá.


Elisa Lucinda, voz de mulher falando por mim.

Reconstituição
(Elisa Lucinda)

Tive de repente
saudade da bebida que eu estava bebendo...
tive saudade e tentei me lembrar que gosto faltava,
qual era a bebida...
Fui procurando entre copos e móveis
e dei com sua boca.

A saudade era dela
A bebida era o beijo.


E, no meio, eu. Entre Drummond e Lucinda. Estranha.

Estranha.

Um comentário:

Tatiana disse...

Ô, querida
A gente é um monte de coisas. Se fosse assim, tudo fechadinho, tudo arrumadinho, morreríamos de tédio.
E é até bom ser assim. Porque na hora que não nos reconhecemos é o instante de rever o que somos mesmo. Será que não estamos mudando, cacete? Será que não mudei?
Pode ser...e se for, e daí?
E se o que você vir for uma boa de uma merda, muda a merda., Faz dela adubo.
A gente muda.
A gente fraqueja.
A gente cai.
E levanta e volta a falar palavrão, a se expor, a rir, a chorar.
Faz parte.
Olhos atentos à própria alma.
Só isso que importa. Só isso e mais nada. O resto, é cobertura de bolo com cereja de chuchu.