sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Estranho...

Meus sentidos não servem para nada. Parece que não. Tá tudo muito estranho. Ouço música alto no carro e não consigo saber se está muito alto mesmo, parece que nunca está alto o suficiente, parece baixo, parece alto, perdi a sutileza da audição. Meus olhos estão embaçados, passo a mão e nunca desembaça, não consigo ver com nitidez. A comida tem uma falta de gosto estranha. Como, como, mas falta o sabor. Nem o cheiro é o mesmo de sempre. Minhas mãos ásperas não distinguem as texturas como deveriam.

Entro no carro e parece que a qualquer momento algo de muito ruim vai acontecer. Parece que todos sabem, menos eu. Parece que todos estão preparados, prevenidos, só eu aqui de boba amarela. Mas eu estou desconfiada. Só não tenho certeza. Se minha audição prestasse, eu poderia ouvir um tic-tac bem baixinho, vindo de algum lugar. Em breve, uma bomba vai explodir. Se meus sentidos estivessem funcionando como deveriam, eu saberia que a bomba prestes a explodir sou eu.

Falando de nada

Um crime. Um quase pecado. Uma tentação. Socorro. Me falta o ar, me faltam as palavras, me falta o chão. Não sei pra onde olho, não sei como desgrudar meus olhos, quero olhar mas ao mesmo tempo não consigo, quero parar de olhar mas é mais fácil arrancar um braço meu a sangue frio. O sangue esquenta, avermelha minhas bochechas, logo eu. O que é que eu falo? Nem sei que palavras estão saindo da minha boca, não consigo prestar atenção no que estou dizendo, que é que eu estou falando agora, mesmo? Quanto tempo faz? Dois segundos, dois minutos, dois milênios? Depois, o coração acelerado, um sorriso idiota que não sai da minha boca; mesmo que eu me esforce, não consigo tirar esse sorriso imenso da minha cara. Mas que droga. É um crime. Um quase pecado. Uma tentação. E eu tenho que ser mais forte que isso.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Meu nome é

Meu nome é trabalho. De manhã, bem de manhã mesmo, sou professora. Sou professora de Português. Gramática. Literatura. Produção de texto. Variedades linguísticas e diferentes usos da língua. Trabalho com Ensino Médio, em um colégio particular que oferece cursos técnicos. Falo muito. Ouço também. Grito às vezes. Dou muita risada, fico triste, fico frustrada, fico maravilhada e orgulhosa, fico surpresa, fico rouca, cansada, doida. Ando. Sento. Danço. Atuo. Escrevo na lousa. Preencho papéis. Ensino. Aprendo.

Meu sobrenome é trabalho. De tarde, sou revisora. Reviso textos de vários tipos. Anúncios variados, outdoors, bulas, classificados de imóveis, jornais empresariais, textos da Web. Canetas, mil canetas coloridas. Carimbos. Estudo. Aprendo. Pesquiso. Melhoro frases, melhoro textos. Caço, encontro e corrijo erros. Sentada, leio.

Meu apelido é arte. Canto. Com a minha banda, com meu parceiro no violão. Bailo flamenco, amo! Bailo, palmeio, canto junto, suo, faço caras, me descabelo. Rodo a saia e soco o pé no chão. Atuo. Musical com amigos queridos. Aprendo coreografias e as executo, canto, faço coro, atuo. Faço os outros darem risada, faço os outro dançarem, distraio as noites do povo, distraio a mim mesma do meu outro eu.

Puta que o pariu, como eu sou feliz! Pelo menos no que diz respeito a meu nome, sobrenome e apelido. Não mudaria nenhum dos três. Não deixaria de fazer nada do que faço. Não me sinto infeliz na profissão, não deixaria de fazer o que faço como trabalho pra viver de arte. Se isso acontecesse, sentiria uma falta tremenda da minha profissão, dos meus alunos, dos meus textos. É a minha formação, é o que eu amo fazer. Não tenho crises de ser uma artista incompleta, porque não me sinto assim. Posso ter várias crises com a minha autoestima, mas sei reconhecer algumas qualidades. E, sem falsa modéstia, eu sou muito boa no que faço. Em tudo o que faço. Porque amo tudo o que faço. E posso fazer tudo isso. Gosto de mim dando aula; gosto de mim revisando; gosto de mim cantando, bailando, dançando, atuando. Claro que sempre dá pra melhorar. Mas acho mesmo que acertei nas minhas escolhas. De manhã, posso andar, falar, gesticular, surtar. À tarde, posso sentar, pensar, calar. À noite, posso pirar.

Juliana de Oliveira Palermo.
Professora Revisora Bailaora Cantora Atriz
Trabalho Trabalho Arte

E Satisfação, Felicidade e Amor.

Terça-feira

Enquete: qual é o pior dia da semana?

Pra mim, sem sombra de dúvida, é a terça-feira. Maldita terça-feira. Terça-feira negra.

Explico: segunda é braba, mas já é segunda mesmo. Ninguém espera que a segunda-feira seja um dia incrível. A sexta, sim, é mais esperada até do que o próprio sábado, porque é a véspera do sábado; na sexta a gente tem a sexta à noite, o sábado e o domingo. O sábado é muito bom. Domingo é triste porque tá acabando, mas pelo menos a gente não trabalha. Quarta é o meio da semana. Já tá chegando a sexta. Quinta é a véspera da sexta, então tá tudo bem. Agora, a terça é de foder...

Terça não é como segunda, que a gente voltou do fim de semana, tem novidades pra contar, ainda tá descansadinho. Terça tá looonge da sexta. Terça é foda. Terça não passa. Terça maldita.

Daí fiquei pensando nessa ideia louca que a gente tem de querer tanto o fim de semana. Os dias são avaliados como bons ou não pela distância deles do fim de semana. A gente, louco pela sexta, passa correndo pelos outros dias. E pra quê?? Depois a gente reclama que não tem tempo pra nada, que os dias estão passando muito rápido, que os anos estão voando, que já é quase natal.

Por que uma terça-feira não pode ser boa? Por que uma quinta não pode ser maravilhosa? Por que raios a gente não faz da segunda um puta dia especial? Cada dia traz coisas novas, ou pode trazer, dependendo da nossa expectativa. E, se a gente já não espera nada mesmo da terça, ou da quarta, ou da segunda, ou mesmo do domingo, não vai ver nada de bom.

Prometo tentar fazer minhas terças não serem ruins... Prometo solenemente. Prometo olhar mais pro céu, ouvir músicas mais felizes, fazer coisas melhores. Porque, afinal de contas, se eu jogar fora todas as minhas terças-feiras, vou é estar perdendo um puta tempo.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Modernidade

É impressionante como a gente é dependente da tecnologia hoje em dia. Hoje meu dia acabou por causa de um computador.

Passei boa parte do meu domingo chuvoso preparando aulas no Power Point. Reservei na sexta o data show pra todas as aulas, pra parar um pouco com a lousa, pra dar uma dinamizada nas aulas, pra interessar a galera um pouco mais. Selecionei trechos de filmes e tudo. Fiquei orgulhosa de mim mesma. Não que tenha sido nada de excepcional, mas só o fato de sentar a bunda e preparar uma aula diferente já dá um gás novo. De noite, tomando vinho na frente da lareira com meus amigos, comentei como estava orgulhosa de mim mesma, por ter trabalhado bonitinha.

Chego hoje de manhã com todo o pique. Lima nova. Animadérrima, meu lindo note a tiracolo.

Primeira aula, segundo ano, a prosa gótica.

Segunda aula, terceiro ano, primeira fase do Modernismo. Um aluno pede pra espetar a pen drive e copiar o arquivo. Deixei. Burra.

Terceira aula, primeiro ano, narrativa.

Intervalo. Feliz, desliguei o note. Sala dos professores, chá pegando fogo com muito açúcar (já vem adoçado), cigarrinho na rua com colegas. Sinal. Vâmo que vâmo.

Quarta aula, primeiro ano de novo, mesma sala. Cadê que a merda do note liga?? Liga nada. Não inicia o Windows. Horas e horas pra iniciar e nada. A classe, com 50 alunos, num pandemônio de filme. Caralho, custa esperar de boa? Não precisa ficar mudo, mas também não precisa derrubar o colégio! Em desespero, vou atrás de um professor de informática, no laboratório. Os alunos rindo de mim, hehehe (era a turma do segundo ano, da primeira aula). Ele falou um monte de coisa que eu não entendi. Fez aparecer umas telas azuis que me dão calafrios. E nada. Disse que eu corria o risco de perder tudo que tinha no note, todos os arquivos. Puta merda, só faltava essa.

Dou uma atividade pros alunos fazerem. Eles não fazem. Papeiam Muito alto. Não consigo nem brigar. Merda, passei meu domingo preparando essas aulas e agora nada.

Num lampejo de inteligência, consulto o horário. A quinta e a sexta aula são em duas salas de terceiro ano. Posso usar a pen drive do aluno que copiou o arquivo e pedir o computador da escola.

Quinta aula, terceiro ano. O computador chega, falta o mouse. A inspetora vai buscar o mouse, mas ele não funciona. Ela vai buscar outro. Não liga. Reinicia o computador. O mouse funciona. A essa altura, me diga que condições eu tinha de dar aula ainda. Puta. Destruída. Acabada. Enfio a pen drive do aluno. O computador não reconhece a merda da bagaça. Chamo um aluno. Ele não sabe me ajudar. Ninguém pode me ajudar. Uma aluna pergunta se eu acredito em Deus. Minha filha, nessa hora eu não acredito nem em mim. Desisto. Vou colocar um DVD legal que tem aqui, pelo menos passo um trecho de cultura pra essa gente. O computador da escola não tem drive de DVD. Maravilha. Galera, eu desisto. Façam o que quiserem, ta? Só tentem não derrubar a escola.

Eu nem tinha levado livro nem nada, meu note era a solução, as aulas estavam lindas. Pra quê?

Sexta aula, terceiro ano. Pois é, ainda não acabou. Galera, não vai rolar. Contei a história toda e levei a turma pra biblioteca. Meu olho encheu de lágrima, meu dia acabou. Que merda. Que medo de perder todos os meus arquivos. Que frustração, que sensação horrorosa de tempo perdido, de impotência. Eu tinha muitas coisas pra fazer na sala. Mas fiquei tão passada que não conseguia nem pensar.

No fim, um querido colega da agência arrumou pra mim. Entrou naquelas telas azuis, enfiou um CD e resolveu meu problema. E eu me achei tão idiota, de ter ficado triste por uma coisa tão pequena.

Mas não tem nada, não. Amanhã é outro dia. Tem mais 6 aulas. Filhadaputa nenhum espeta pôrra de pen drive no meu note, nunca mais!! E eu vou levar uns livros, só de precaução.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

... porque ...

Não é só porque ele é lindo (que ele é lindo não tem como negar). Mas veja bem o tipo de consideração que ele faz. Veja bem o tipo de coisa que ele diz. Ele é inteligente. Não é como aquele outro, papagaio, que só porque todo mundo acha que é inteligente se acha no direito de falar qualquer merda. E acaba chato. Ele, não. Olha dentro do meu olho, já sorrindo, me interrompe e faz uma pergunta que eu tenho vontade de ir lá e dar um abraço. Puta que o pariu!! Menino esperto! Tenho vontade de dizer “Muito bem, você é o máximo”. Mas não posso. Tento engolir o sorriso besta que quer brotar na minha cara, volto pra onde eu estava, “Depois eu respondo”. Mas cá dentro, eu explodo de orgulho. Eu sei de quem eu gosto, pôrra. Não é à toa. E não é só porque ele é lindo.

(...) (:) (!) (...)

E chove uma chuvinha insistente, taurina. O dia amanhece cinza, e tenho que sair de sandália porque hoje é dia de fazer o pé. Um puta friozinho do cacete, mas gostoso. Toma chuva gelada na cabeça, o cabelo fica uma beleza. Já tava uma beleza. Fica mais. Céu cinza. Dá uma sensação de tristeza, não dá pra evitar. Meu mp3 parou de funcionar, então não tenho som no carro, sou obrigada a ouvir meus pensamentos, todos eles. Chuva no braço esquerdo, vício maldito do cigarro. Quanto tempo falta pra eu voltar pra casa? Pra minha cama? Pras minhas cobertas? Eu praticamente nem saí da minha rua ainda... Tem muito trabalho pela frente. E depois? Depois... Tenho vontade de sair, tenho vontade de ficar. Tenho vontade de ver desconhecidos, mas tenho uma preguiça maior do que a vontade. Tenho vontade de ver amigos, mas tenho um sono de morte. Olho o relógio e penso na hora em que vou acordar amanhã. Penso na pilha de filmes que me espera em casa, eu e minha tartaruga de pelúcia. Vontade de ter um ele comigo, pra dividir essa merda boa. Mas não pode ser qualquer ele. Tem que ser um ele que fale a minha língua, que ria do que eu acho graça e que arregale o olho com o que eu acho foda, que me olhe sem dizer nada e eu entenda tudo e diga “Pois é”. Mas não tem. Tem a minha tartaruga de pelúcia, serve? Serve. Melhor que muita bosta que tem por aí. Vontade de dançar, uma salsa, uma coisa animada, sem ficar pensando se o sapato tá bonito, se tô dançando bonito pra quem tá olhando, sem pensar, sem pensar em nada. Vontade de acordar com uns 15 quilos a menos, assim, do dia pra noite. Vontade de virar meu quarto de cabeça pra baixo, tirar tudo do lugar, depois arrumar tudo diferente, pra ver se muda alguma coisa, se eu mudo alguma coisa, se alguma coisa muda, pra ver se eu mudo. Programas a fazer e vontade de não fazer nenhum, mas também de não ficar parada, não quero ficar aqui, quero fazer uma coisa que eu não sei o que é. Ver gente que eu não sei quem é. Falar de coisas que eu não sei quais são. Lembro daquela letra daquela música 50% flamenco, 50% brega, “Y mírame, no dejes de mirarme, mírame, no dejes de tocarme, tócame, no me dejes que despierte de este sueño, aunque todo sea mentira”. É isso. É isso mesmo. Mesmo que seja mentira... eu finjo que acredito, porque é melhor que nada. E de repente me dá uma vontadinha de chorar, de enfiar a cabeça nos braços e chorar quentinho, de sair daqui e não dizer nada pra ninguém, ir pra casa tomar um banho quente e chorar mais, depois Miss Turtle, que me olha e não me diz nada, e eu vendo filmes e imaginando os comentários que faria se tivesse alguém aqui. Depois dormir. E acordar. E chove uma chuvinha insistente, taurina.

Álcool gel

Vou te dizer: não aguento mais essa palhaçada de álcool gel.

O povo tá tão preocupado, né? Os cinemas cheios, os shoppings cheios, as pessoas trabalhando normalmente, os ônibus lotados com os vidros fechados, o ar condicionado comendo solto, o povo dividindo canudinho, talher, o escambau, pegando trago do cigarro alheio, passando a cara nas vitrines, lambendo a colherinha de sobremesa do restaurante, fechando negócios apertando a mão dos colegas, beijando as biscates, comendo as putas, bebendo em copos de bar.

E vem me falar de álcool gel?

Tenha a santa paciência... porque a minha eu perdi.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Pontuando diferente

Alexei e a Banda Toda é uma banda de um querido amigo meu, lá do IA da Unicamp. Conheci o trabalho deles em umas circunstâncias estranhas da minha vida, uma época bizarra e também maravilhosa. As músicas me falam muito, primeiro porque acho o Alexei um poeta do caralho; segundo porque os meninos todos são muito foda como músicos; terceiro porque me lembram daquela época.

Esses dias "achei" os MP3 de novo no meu note, joguei no MP3 player (que é o som do meu carro) e passei a ouvir de novo. Muito bom. Eu, pelo menos, adoro.

O site deles tá aqui, pra quem quiser conferir:
http://alexeieabandatoda.blogspot.com/

Daí que tem um som que eu adoro, Adaptação, muito maluco, e tem uma parte linda que eu sempre canto junto. Pra mim, era assim, ó:

"Cara carência...
O tempo vai,
A minha ciência distrai.
Eu tenho rumo, sei que eu me arrumo.
Reza a prudência: esperai.
Espere um pouco.
Se tem paciência, então não é louco, não."

No encarte virtual deles é assim:

Cara carência, o tempo vai. A minha ciência distrai
Eu tenho um rumo, sei que eu me arrumo
Reza, prudência, esperai! Espere um pouco
Se tem paciência então não é louco


Viu a diferença? Eu vi. Sutil, mas eu vi. Enfim, pontue como quiser, mas ouça.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

E o príncipe???

Engraçado como as coisas aparecem na vida juntas, de uma vez só. Tô eu aqui fazendo a série Fallen Princesses, baseada nas fotos da Dina Goldstein (www.dinagoldstein.com), e daí uma coisa puxa a outra. Assisti essa semana a um filme que tava copiado há tempos no note, mas ainda não tinha visto. A Bela Adormecida. Da Disney. E daí me lembrei de um livro que tenho em casa e comecei a ler, mas não acabei, que é Fadas no Divã, que estuda os contos de fadas através da Psicanálise. E daí lembrei também da Regina Navarro Lins e seus estudos sobre o ideal do amor romântico, um pouco do que comentei aqui quando falei da série Crepúsculo.

Pois é.

Nós mulheres crescemos com essas histórias, com a espera pelo príncipe encantado sendo uma coisa natural, incutida. Mesmo que aprendamos depois com todos os tombos da vida e desistamos de encontrar o príncipe, tem aquele ladinho nosso que ainda espera por ele. Algumas mais, outras menos. Eu falo muito, encho a boca pra falar mal, xingo e tudo o mais, mas claro que secretamente eu queria o Charming num cavalo branco, balançando os cabelos loiros. Acorda, Alice. Eu sei, eu sei.

Mas não somos só nós, mulheres, que esperamos pelo príncipe. Alguns homens também desejam encontrar suas princesas, para torná-las suas rainhas. Alguns querem a rainha do lar. Outros, a rainha mãe. Outros, uma mistura das duas; outros, algo bem diferente das duas.

Vamos combinar que hoje em dia tá difícil. Antes, esperava-se o mesmo de todas as princesas. Que tivessem as mesmas prendas, as mesmas qualidades. E quase todas elas eram mesmo iguais. E o papel do príncipe era o mesmo, sabido. Suas tarefas eram muito claras: chegue arrasando no cavalo branco, tire a espada da bainha, enfrente os monstros, salve a princesa, beije-a com o primeiro beijo de amor verdadeiro, case-se com ela e sejam felizes para sempre. Simples assim.

E hoje? Nada tão simples assim...

Primeiro, falando francamente, tá cada vez mais difícil arrumar um cavalo branco. Só tem pangaré por aí. Imagina o IPVA de um alazão. E daí, pra impressionar a princesa, príncipe vira proletário e trabalha feito um condenado, pra poder ter a pôrra do cavalo branco. Se já nasce em berço de ouro, corre o risco de ser taxado de playba. Porque a grande maioria das princesas hoje em dia ainda dá um puta valor pros cavalos do motor, digo, pro cavalo do príncipe. Mas tem também aquelas que fazem a linha freak-lóqui-louge, rasteirinha no pé e vamos caminhar, meu bem, pra ser sustentável. Vai saber como agradar a princesa...

Depois, falando em cavalo e pra falar da espada, vem a grande questão do tamanho da espada, que hoje ninguém se impressiona mais com o bordado da bainha, não. Mulherada tá querendo é ver a lâmina, pegar na lâmina. E o pobre príncipe compara suas espadas com as dos colegas, se sente inferior, começa a se questionar. Também tem aquele papo de que tem que saber usar a espada, mesmo que seja pequena, um gládio, mas o príncipe também já sacou que esse papo é mentira. Nada como uma Excalibur, ele já sabe. Daí tem as revistas que falam sobre como usar a espada, as mais avançadas técnicas de esgrima e de ataque. O pobre príncipe não sabe mais a quem ouvir. Socorro, mãe.

Monstros a enfrentar? Era fácil antes, com o dragão solta-fogo, as bruxas, os ogros. Hoje em dia príncipe tem que discutir relação. Comprar o presente certo. Saber a hora de sugerir usar aliança, nem cedo nem tarde demais. Visitar os sogros, falar a língua das amigas pra não fazer a princesa passar vergonha na mesa do bar. Não parecer tarado demais nem de menos. Não dar pinta de gay. Cuidar da roupa e da aparência (antes príncipe chegava fedido pra beijar a princesa e ninguém nem pensava nisso). Saber de política, de música, de cinema, de futebol, de informática, de mecânica e ainda comprar flores. Mas as certas. Ligar no dia seguinte, responder e-mail, não ser dependente da mãe, ter cuecas bonitas e combinar o cinto com a roupa. Passar no teste de fogo das amigas. Saudades dos monstros de outrora.

Na hora de salvar a princesa, então, tem muita princesa achando que não precisa ser salva. Princesa que pega o príncipe no colo e sai doida pelo mundo. Princesa que pega na mão e arrasta. Princesa que já vai engolindo a espada. Princesa que já ta esperando nua de perna aberta. Princesa que curte princesa. Princesa que curte mesmo é sapo. Princesa que quer fazer terapia com o príncipe. Princesa que fica puta porque queria mesmo era morrer esperando, sem ser salva nunca, na condição de vítima eterna. Princesa que até já morreu e não sabe.

É, gente, ta fácil não.

Às vezes o pobre príncipe acerta: cavalo bombando, espada afiada, na medida, curso de esgrima, dom natural; roupa e capa na estica, perfume importado, passa por todos os monstros, o beijo é bom e de amor verdadeiro. Mas a princesa... essa não acorda nunca.






Foto: Dina Goldstein.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Bela, beleza

Quem foi que disse que é fácil ser princesa? Pois não é, principalmente quando você é a mais bela de todas as belas. Quando se chama Bela, você tem que ser linda. Pra justificar. Imagine que infâmia uma princesa chamada Bela que fosse horrorosa!

O problema é que o padrão de beleza muda de acordo com o tempo. E princesas vivem muito, pelo menos as de contos de fadas. O que era bonito ontem não é mais hoje; o vestido da moda de hoje de manhã já saiu de tendência hoje de tarde. E princesa que não acompanha a maré, meu amor, vira perereca.

Mesmo que você seja casada com a Fera, você precisa se manter bela. Até porque espera-se da Fera que seja mesmo uma fera, e feras são feias, pra poder impor respeito. Agora, as princesas, essas têm que estar sempre por cima da carne seca, ler a Nova todo mês pra saber a nova tendência da cor do batom, o novo creme revolucionário antirrugas, as novas posições sexuais do momento (e tem novas??), o novo comprimento de botas, o novo tom de esmalte do verão, o novo corte de cabelo que rejuvenesce, a nova dieta das estrelas, a nova lingerie pra lá de sexy, coisas assim, super importantes.

Ah, as princesas antenadas ainda têm que estar por dentro de outros assuntos básicos mas de extrema importância e relevância, pra poder fazer bonito nas rodinhas sociais com as outras princesas: quem foi eleita a mais sexy do mundo por aquela revista? O que vai acontecer no capítulo de sábado da novela? Quem vai ser eliminado da Fazenda? Qual a programação do Rodeio de Jaguariúna? Até quando vai a promoção da Arezzo? De que marca é o chapéu da primeira dama daquele pais potência? Quanto custa uma bolsa Louis Vuitton? Se eu comprar aquele jogo de panelas maravilhoso, quantas facas ganho de prêmio? Qual o refrão daquele novo sucesso sertanejo? Qual o melhor horário pra ir naquele bar da modinha? De quantas horas é a espera naquele restaurante badaladérrimo?

Mas não pense não que a vida de princesa é só moleza. Tem muita literatura: além da Nova, tem a Caras, a Contigo, a Marie Claire, a Cláudia, a Ti-ti-ti, a Ana Maria e a Minha Novela. Sem falar nas bulas de xampu, que imagine a desgraça de se usar um xampu para cabelos ressecados em um cabelo misto! Tem também muita malhação, pra perder as calorias que a dieta das estrelas não elimina. Horas e horas de esteira, step, spinning, axé-jump (ah, mas esse é tão divertido!!).

Princesas têm suas crises, ô se têm. Mas tudo se resolve com uma boa sessão de compras, um banho de loja. Que mulher ainda consegue pensar nos problemas depois de adquirir uma linda pulseira, ou um scarpin novinho em folha? Tudo se resolve facilmente, com um belo jantar à luz de velas, com óculos de sol novos, com aquele corte de cabelo de matar.

Para crises mais profundas, nada como uma consulta com o Doutor Marco Antônio. E aí, meu bem, segura a peteca, porque o que realmente importa é a beleza que vem de fora das princesas.

É ou não é?

Olha como tô ficando ótima!


Foto: Dina Goldstein.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Ariel, especial

Era uma vez uma princesa. Mais uma princesa, que o mundo tá cheio delas, mas cada uma se acha especial, porque acredita no que os pais dizem. Essa princesa se chamava Ariel, e se achava especial por vários motivos. Era ruiva, em um mundo de princesas loiras e morenas. Cantava lindamente, sua voz encantando multidões, pois era uma sereia. Seu pai era um rei justo, e um pai presente, e não ausente como a maioria dos pais dos contos de fadas. E ela tinha um lindo rabo de peixe, multicolorido.

Mas a princesa não era feliz. Ah, não era. Porque, se fosse feliz, nem valeria a pena contar a história dela. Perceba: que graça tem a história da princesinha feliz, sem conflitos, fútil, que encontra logo o príncipe perfeito e é feliz com ele para sempre? Nananinanão. As princesas interessantes são as infelizes.

E são também as que chamam a atenção dos príncipes mais interessantes. Ou mais descontrolados. Porque os príncipes normais, bobões, simplezinhos, se interessam pelas princesas normais, bobonas, simplezinhas. Até porque eles não entendem o que as princesas infelizes e complexas dizem. Enfim. Os príncipes profundos, malucos, diferentões, esses se interessam pelas princesas infelizes. E é aí que mora o perigo.

Ariel não se sentia feliz no seu mundo. Queria saber o que tinha do lado de lá. Por ser uma sereia, queria saber como era ser humana. Como era andar sobre duas pernas. Como era respirar ar. E viu no príncipe encantado a chance de ganhar o mundo. Não ouviu ninguém, os protestos da família, das amigas, do mundo. Tanto peixe aqui pra casar e essa menina quer um humano! Pra quê? Amor, dizia ela. Mentira. Queria era ver o mundo.

O príncipe, por sua vez, ficou maravilhado com Ariel. Que voz! Que cabelos! Quanta vida nessa pequena sereia... Talentosa, especial, linda, diferente, inteligente, e ainda por cima triste. Perfeita.

Casaram-se. O príncipe a levou para o seu palácio. Mas, para isso, Ariel teria que mudar. Não podia mais se arrastar com o rabão de peixe. Não podia mais cantar as canções do fundo do mar, que graça. Tinha que aprender a cantar as músicas da corte, as que ele gostava. Tinha que se portar como uma princesa da terra, não do mar. Tinha que pintar os cabelos, onde já se viu cabelo vermelho depois dos 20 anos?! Tinha que aprender a falar baixo, a não rir escandalosamente, a dormir na hora que ele queria e a acordar na hora que ele queria, para cumprir os compromissos de princesa sua esposa. Tinha que abandonar seus hábitos e hobbies antigos, seus amigos peixes, seus costumes bárbaros, tinha, principalmente, que fazer um regiminho, porque as princesas daqui da terra eram muito, mas muito mais magras do que as princesas do mar.

Ariel já não sabia mais quem era. Não se reconhecia mais sereia, mas também não era humana. Não se lembrava mais das canções do mar, de seu pai, dos peixes e das outras sereias. Mas também não era mais desse mundo, da corte, dos pajens e das amas, dos vestidos e leques, das fofocas e das intrigas. Não podia voltar para o mar. Mas também não podia mais permanecer nessa vida. Não amava o príncipe, nunca o amara, mas agora não podia suportar sequer sua presença. Que fazer?

A resposta veio por meio de um amigo do príncipe. Um lugar ideal para se trabalhar, um ótimo salário, uma vida fácil, oportunidades. Público, plateia, aplausos, uma artista. Teste do sofá. O príncipe descobriu. Expulsou-a do castelo. O pai não a aceitou mais em casa. Nem sereia nem humana, Ariel não teve escolha.

Os cabelos voltaram a ser ruivos. Ela diverte os outros com sua beleza. Mas já não é mais a mesma, nunca será. Passa os dias a pensar em seus amigos peixes, em seu pai, até mesmo pensa na vida da corte, que qualquer coisa é melhor do que esse exílio. Quando o público vai embora, quando as luzes se apagam, quando a ração do dia é entregue, Ariel chora lágrimas mornas, lembrando-se da princesa especial que um dia foi.
Foto: Dina Goldstein.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Branca de Neve, futuro

Confesso que tive uma infância muito difícil. Todos sabem. Mamãe morreu logo; anjo de candura, doce. Papai sempre me amou muito, mas era muito ausente, e deixou que sua nova mulher fizesse sua cabeça. Suas cabeças. Ambas.

Minha madrasta era linda. Vivia se embonecando, perfumada, com roupas caríssimas, mas nem precisava, ela era realmente uma bela mulher. Mas, como toda bela mulher, insegura. Até demais.

Não gosto de me lembrar dos negros tempos, quando tive de sair de casa. Também não gosto de me lembrar do Caçador. Ah, o Caçador. Tudo teria sido tão diferente se ele tivesse tido culhões e me assumido naquele momento, cagando pro mundo. Mas não. Mais um homem fraco na minha vida: depois de papai, o Caçador cuzão. E então veio a floresta, a escuridão e o abandono.

Todos sabem também dos anões e dos anos maravilhosos que passamos. Como tenho saudades desses pequeninos. Todos esses anos... fico curiosa em saber o que cada um fez de sua vida, por onde andarão, essas coisas. Nossa vida era o máximo: diversão todo dia! Cantávamos muito, era uma jam por dia, invadíamos a madrugada tocando, cantando, dançando. Muita fumaça verde na floresta... Compúnhamos, dançávamos, jogávamos, ficávamos bêbados noites e noites sem fim jogando conversa fora.

Mas aí...

Mas aí vem a maldita moral da história, de todas as histórias, que diz que a princesa bonita não pode ficar sozinha. Não pode passar o dia bebendo e cantando com anões. Que precisa de um príncipe. De um castelo. De uma coroa. De responsabilidades, de proteção marital, de filhos e de ser feliz para sempre. Puta merda...

Mordi a pôrra da maçã. Caí dura (não, não foi uma overdose, como aquelas biscates da Fauna, Flora e Primavera insistiram em espalhar). E, quando eu menos esperava, me vi com os lábios colados aos do príncipe. Merda.

Cavalo branco, noivado, aliança, rei, rainha, cumprimentos, vestido de noiva, casamento, bem-casados, chuva de arroz. Lua-de-mel mequetrefe. Príncipe de pau pequeno. Sem expertise no babado. Ronca. Peida. Tem caspa e chulé.

Anões, anões queridos, venham me buscar!!!

Foto: Dina Goldstein

Rapunzel, por dentro

Rapunzel, jogue-me suas tranças, diz o príncipe. Na verdade, todos dizem, pois sou conhecida agora por essas tranças, por esse lindo cabelo, pelos fios que, trançados, formam essa trama complexa e bela, que encanta, forte, que tudo suporta.

Rapunzel, forte. Carrego nas tranças o príncipe encantado, sonhado. E se ele tiver defeitos, suporto. A imagem que se tem é a de meu sorriso, nenhuma dor, enquanto o príncipe sobe para realizar seus desejos mais escusos nesta torre escura. Mas ninguém sabe a dor que sinto. Ninguém sabe os gritos que abafo, a dor que me transpassa principalmente por não poder expor em meu rosto o sofrimento. Sorrio. Ninguém sabe de nada.

Rapunzel, linda. Infeliz na torre, até que o príncipe chega. Mentira. Nada me agrada tanto quanto a solidão deste cárcere, onde não tenho que fingir felicidade, quando posso ser eu mesma, quando posso ficar deitada no escuro contando as gotas da água que cai pela goteira, sem me preocupar se meu rosto está belo, se minha barriga está encolhida, se meus cabelos estão despenteados, enchendo o quarto todo. Quando ninguém ouve meus gritos, os gritos internos que me despedaçam, os suores que banham meu corpo, os líquidos que escorrem, fétidos, quando não tomo banho porque não tem príncipe nenhum mesmo. E quando ele chega, maldição, lá vou eu vestir a máscara da princesa feliz. Linda.

Rapunzel, menina. Ninguém sabe o peso da velhice em meus ombros, o que esses olhos cansados já viram, o tanto que essa mente pensa e pensou. Ninguém sabe como sou de verdade, que posso ser velha, feia, fedida, pustulenta, gorda, nojenta, ensebada, infeliz. Que posso quebrar a qualquer movimento brusco, e espalhar cacos de cristal negro por toda essa aldeia. Que posso contar minhas rugas e minhas dores.

Rapunzel, princesa. Não sabem da bruxa, da feiticeira, da mal amada, do péssimo caráter. Não sabem das maldições, das armações, dos maus pensamentos. Que me corroem. Que me amarram a essa cama. Não sabem da doença, do fedor, da tristeza, da desilusão, da solidão. Não sabem nada, nada, nada, não sabem nada da dor.

Rapunzel, jogue-me suas tranças.

Coloco de volta a peruca e sorrio, forte, linda, menina, princesa. Feliz.



Foto: Dina Goldstein.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Cinderela, mera coincidência

A Gata Borralheira na verdade é uma gata. É que o borralho atrapalha um pouco. Mas é uma gata, mesmo fora dos padrões de beleza universais e imutáveis há tanto tempo já. Dizem que as gordinhas foram as gostosas de outrora. E que o padrão pode mudar. A Gata espera, mas já tá cansando. Porque as fotos que vocês vêm dela são modificadas pra fazer vocês pensarem que ela é linda de acordo com o padrão. Ela não é. Mas é gata. Ou Gata.

Pode ser chamada também de Cinderella, ou Cinderela. Enfim, são tantos nomes, tantos quanto as personalidades que ela carrega dentro de si. Tanto quanto as histórias mal-acabadas que ela tem pra contar.

Cinderela conheceu um príncipe massa. Mas ele estava comprometido com outra princesa. Daí Cinderela ficou amiga dele, amiguinha. E um dia o compromisso dele com a outra princesa se desfez. O príncipe veio correndo pra Cinderela, confessar seus sentimentos (nossa, que rapidez, príncipe!). Cinderela não acreditou. Não quis acreditar. Disse: “Parta em uma viagem, ó príncipe, e pense em mim, decida sua vida e volte em seu cavalo branco”. E o príncipe partiu. Com a princesa antiga.

Quaquaquá.

Cinderela conheceu um príncipe lindo. Mas lindo mesmo, lindo do queixo cair. Talentoso, o príncipe era um menestrel. Cinderela deixou que ele lhe fizesse a corte. Mas o príncipe não queria compromisso. Cinderela ia ao castelo do príncipe, por vezes passava lá noites, ela e o príncipe se viam praticamente todos os dias e todos sabiam que eles estavam juntos, mas não tinham nenhuma espécie de compromisso. Sabe como é, o príncipe lindo tinha sofrido muuuuuito com as princesas de antes. Tadico. Cinderela aceitava esse amor assim mesmo. Um dia, o príncipe terminou o relacionamento. Não estava pronto. Na mesma semana Cinderela soube pelas amas que o príncipe estava de compromisso com outra princesa.

Quaquaquá.

Mas esse mesmo príncipe voltou. O relacionamento com a outra princesa não deu certo. E Cinderela aceitou que ele lhe fizesse a corte, dessa vez ele até propôs um relacionamento mais sério, e Cinderela foi morar em seu palácio, com a sogra, a Rainha-Mãe. Mas o príncipe era um louco. Lindo, mas louco. Foi até ficando feio. Quebrou o sapatinho de cristal de Cinderela. E hoje outra princesa mora em seu castelo.

Quaquaquá.

Cinderela conheceu um príncipe muito sério. Então pensou “é esse. Tem que ser”. O príncipe tinha um castelo estranho, amplo. O príncipe dizia coisas estranhas, vagas. O príncipe era estranho. Estranho demais. Mas Cinderela fechava os olhos e dizia que queria. O príncipe era tão estranho que não deu certo (no fundo, ainda bem). Mas hoje está com uma linda princesa.

Quaquaquá.

Cinderela conheceu um príncipe muito legal. Parecia mais um bobo da corte, de tão engraçado. Nem era tão bonito assim, mas muito interessante. As amas e os pajens de Cinderela achavam que dessa vez ia. Que Cinderela podia ser feliz com o tal príncipe. Mas Cinderela não tinha certeza. Ficou uns dois anos num chove-não-molha, decido-não decido. Um dia, anos depois, perguntou na lata para o príncipe se ainda rolava. E nunca se sentiu tão humilhada. Cinderela queria mandar o príncipe enfiar a viola no saco e o resto no cu, mas era muito educadinha e não disse nada.

Quaquaquá.

Cinderela conheceu príncipes, muitos príncipes. Teve aquele inteligentíssimo, lindíssimo, cheirosissimo, que nunca rolou, e ela suspira até hoje quando pensa. Teve aquele que era um amor, mas não dava pra levar adiante, pena; nem Cinderela consegue explicar por que ela não quis, mas não rolava. Aliás, desses foram três. Três príncipes muito bacanas, partidões, mas Cinderela é burra. Teve aquele príncipe que era todo errado, e Cinderela desistiu no meio. Teve aqueles príncipes que escondiam que já tinham suas princesas. Teve aqueles príncipes que na verdade eram reis, os que eram servos, os que eram pajens, os que eram quase princesas (ui). Teve os menestréis, os vilões, os algozes, os fugitivos. Tantos, tantos, tantos que passaram por sua vida, alguns pelo seu coração, alguns pelo seu convívio, alguns por sua boca, outros por um pouco mais que a boca. Mas no fundo, no fundo, Cinderela está sozinha. Ou melhor, solteira. Porque os príncipes vêm e vão. E é natural que assim seja, até que o príncipe certo venha e não se vá. Ou não se vá tão rápido, porque ir todos vão, até ela, Cinderela, vai.

Enquanto isso, Cinderela trabalha. O borralho enche a cara e o corpo dela. Então ela toma um banho, se veste, se arruma e se prepara. Se pinta, se penteia, se enfeita. E sai. Mas ninguém a vê. O mundo conta as pessoas aos pares. Casais. Princesa e príncipe. Cinderela é solteira. Cinderela é Gata Borralheira. Cinderela fim de noite.






Foto: Dina Goldstein.

Confesso que rola uma identificação.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Rindo

Minha bochecha dói. Eu dei tanta risada hoje. Dos outros. De mim mesma, sozinha no espelho. Dos meus pensamentos. Dos comentários dos meus colegas de trabalho hilários. De uma mensagem que recebi. De uma mensagem que não recebi. De textos que li. De palavras que falei e que ouvi.

O ser humano pode ser realmente muito bizarro.

Mas até aí, quem não é??

Puta merda, vai entender os seres humanos... vai entender os espécimes masculinos. E os femininos. E a gente mesmo.

Preciso complementar aqui qualquer dia minha teoria do futebol. Porque conheci um zagueiro, e um lateral. E também são figuras interessantíssimas, merecedoras de palavras minhas neste pequeno site verde. Já posso trabalhar na ESPN.

Pretendo rir mais ainda hoje, muito mais. Foda-se acordar cedo amanhã... que eu sou de ferro.

Teresa - noite

Teresa dorme fora de casa. Há tempos Teresa não dormia com um homem, na mesma cama. Dormir de dormir. Tenta se lembrar das últimas vezes. Tão distantes, já.

Lembra-se daquele que não esquece, embora queira. A cama de casal, gigantesca, era pequena na verdade. Havia linhas imaginárias que ela não podia ultrapassar. Dormia preocupada. E se o cotovelo escapasse e o atingisse? E se o pé encostasse nele? Para evitar brigas, Teresa se recolhia ao seu canto da cama, medo. Quem é que dorme assim?

Depois teve aquele outro. A cama de casal era grande, e grande continuava, mas era impossível dormir direito ao lado daquele homem maluco. Vai que ele acorda de noite e faz alguma doideira? Ele a abraçava apertado até quase sufocar. Mas ela sentia-se estranha. No fundo, uma voz dentro da cabeça perguntava “O que eu tô fazendo aqui? A quem quero enganar?”. Preocupada com o grande branco do quarto, os grandes espaços, a intimidade forçada, não dormia.

Dessa vez, Teresa dormiu. Nunca antes uma cama de solteiro fora tão grande. Ela dormiu, se sonhou não se lembra. Mas dormiu. Sem medo. Sem questionamentos. Fechou os olhos e dormiu. Alegria cansa.


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Teresa é meu personagem favorito. Usa roupas engraçadas. Sente muito frio. Tem voz de criança, quando fala. Faz caretas no espelho. Conversa com o ar, dentro do seu quarto. Conversa com os livros. Teresa não sou eu. Teresa não mente. Eu que minto.

Considerações

Cheiro de amaciante na blusa de moletom. Tem poucas coisas que me deixam mais molinha do que cheiro de amaciante na blusa de moletom. Sabe, molinha de respirar fundo, a cabeça cai pro lado, faço cara de boba e sorriso de tonta, ainda bem que ninguém vê, porque minha cara já tá enterrada no ombro dele nessa hora. E nem ouço mais os barulhos da rua, a conversa do casal amigo, nem sinto mais o gosto de cerveja na boca, nem sei onde coloquei meu pé, onde está minha mão, quem sou eu? Daí passa e eu olho o céu escuro, sinto a noite gostosa, olho os carros vindo na avenida com o farol aceso e acho tudo lindo, bem que essa podia ser uma avenida de uma megalópole, e eu aqui nesse bar, nem parece que estou na mesma cidade de sempre, nessa avenida tantas vezes já caminhada, nesse bar tantas vezes visitado. Encontro o branco, o verde, o rosa. Pintura impressionista.


*Observações nada a ver, mas preciso dizer.

Ontem eu esqueci que dia da semana era. E era segunda. Acordei cedo pra caralho, 6 da manhã, escola até meio-dia, reunião de professores chata, muito chata. Casa, almoço, dormidinha. Agência, até sete da noite. Flamenco. Uma aula. Uma hora. Mais uma aula. Uma hora e meia. Saio duas horas e meia depois, viva, suada, feliz. Chego em casa e vou comer, mas nem tenho fome. Que dia é hoje, mesmo? Já aconteceu tanta coisa hoje. Ah, é, segunda-feira. Rio com os caras do CQC. Levo o Saramago pra cama e ele me embala até que o sono vem.