domingo, 5 de junho de 2011

O desconcerto do mundo ou Camões mais atual que nunca

Camões fica batendo na minha porta. Discuti esse poema esta semana com meus alunos. E, ontem, uma amiga disse que não suporta ver o ex dela com outra pessoa e ela ainda estar sozinha, porque, segundo ela, um cara tão filhadaputa assim está "bem", e ela está "mal" (sozinha).

Bom, tem milhares de coisas que eu podia falar sobre isso, e algumas eu disse pra ela ontem. Sobre o conceito de estar "bem" ou "mal" e qual a relação entre isso e estar ou não acompanhado (que, pra mim, estar sozinha nunca foi tão bom). Mas o que me pegou foi essa sensação do desconcerto do mundo, de a gente achar que "os maus se dão bem e os bons se dão mal" (e olha que rica a nossa língua e que beleza esses advérbios e adjetivos!). Quem é mesmo mau? Quem é mesmo bom? O que é se dar mal? O que é se dar bem? Acredito que isso tem a ver com um sentimento característico do ser humano, de se colocar sempre na pior situação do mundo, de achar que os outros sempre estão melhores do que a gente, de que estamos sempre na pior, de não olhar pra vida como ela é de verdade, de não reconhecer o que temos de legal, de ter se acostumado com o que a nossa cultura nos empurra goela abaixo, de achar que a gente tem que ter alguém pra ser feliz, porque no último capítulo da novela todo mundo acha seu parzinho.

People, todo mundo se acha o cocô do cavalo do bandido às vezes, todo mundo acha que é o maior sofredor da face da terra, de vez em quando. Essa semana eu dei uma dessas, e até por isso o poema se fez presente de novo, 3 vezes na mesma semana, para tudo, post no blog. Pensei exatamente isso, em outro contexto: sempre fui boazinha, agora vou botar pra fuder, como todo mundo faz - e não deu certo. Hahahahahaha. Enfim, não sei se isso é destino, se é coincidência, se são os deuses rindo da gente e jogando xadrez, se está tudo na nossa mente. Mas esse sentimento não é nada novo, não é nada particular. Taí Camões, que escreveu, há mais de 500 anos, a mesma coisa, a mesmíssima coisa.

Ao Desconcerto do Mundo
de

Os bons vi sempre passar
No mundo graves tormentos;
E para mais me espantar,
Os maus vi sempre nadar
Em mar de contentamentos.

Cuidando alcançar assim
O bem tão mal ordenado,
Fui mau, mas fui castigado.
Assim que, só para mim,
Anda o mundo concertado.

Pois é. Não é assim, não. O mundo não anda concertado só pra mim. Eu sei disso, embora às vezes pareça difícil acreditar.

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