segunda-feira, 26 de maio de 2008

Desculpe, doutora...

Mesa de bar é realmente um adubo para a minha já tão fértil imaginação. As pessoas começam a beber e começam a falar mais merda do q o normal. E eu começo a pensar mais merda ainda do q o meu normal. Daí pronto: post novo pro blog.

Tava aqui lembrando de uma conversa de bar na sexta-feira, qdo uma conhecida nossa se auto-proclamou "doutora" na mesa. Eu questionei, desculpa, pq eu tenho em mim um bichinho curioso e inquieto q não me deixa ficar de boca fechada. Eu sei q as pessoas chamam advogados de doutor, mas eu não consigo ficar quieta. Eu e essa maldita boca grande (que na verdade é
pequena).

Eu perguntei se ela tinha doutorado (rá).

Então a nossa colega disse que não, mas q ela era doutora sim, e q todo advogado q passa no exame da OAB é doutor, pq a rainha Isabel ou a rainha Elizabeth (ela se confundiu um pouco nessa hora) assinou um decreto pra fazer um favor pra um amigo dizendo q todo advogado aprovado na OAB deveria receber o título de doutor. E contou de um caso q uma pessoa do trabalho mandou um mail para ela e neste mail estava escrito q ela era estagiária, e ela chegou com os dois pés no peito exigindo a alteração do título para doutora advogada fulana de tal.

Ok, ok. Óbvio q eu respondi. Respondi q eu nunca chamaria um advogado de doutor, e q se eu fosse uma advogada de 27 anos e alguém me chamasse de doutora, eu ficaria extremamente
ofendida e me sentindo velha. Agradeci pela minha profissão não ter dessas frescuras, agradeci por não ter estagiários pra exigir q me prestassem o devido respeito e nem demonstrações de
hierarquia.

Eu sei, eu sei q é um lance de tradição e de respeito. Mas o que eu me pergunto é por que só com advogados... com médicos ainda dá pra entender, pq vem da tradução de doctor e tal. Mas com
advogados? Não estou dizendo q a classe não merece respeito, longe de mim (juro mesmo). Só acho q então esse respeito deveria se estender a todas as profissões, igualmente importantes.
Deveríamos começar a dizer "doutor engenheiro fulano de tal", "doutora jornalista", "doutor arquiteto", "doutora turismóloga", "doutor biólogo" e por aí vai...

Melhor ainda, pra não causar essa confusão de doutores, seria utilizar o termo no seu sentido original: doutor é aquele que possui o grau de doutorado, q defendeu tese, aceita por banca
examinadora.

Minha amiga (reles licenciada em Letras, como eu) me disse q há um texto do Eça de Queiroz chamado "Brasil doutor". Procurei na internet, mas não encontrei (se encontrarem, me mandem please). Ele tira o maior sarro dessa mania do brasileiro de chamar todo mundo de doutor... No meu trabalho eu lido com doutores de fato. Doutores em educação, em filosofia, geralmente doutores de humanas. E nem esses escapam da mediocridade, pois alguns deles escrevem e publicam artigos somente para enriquecer seu currículo, sem de fato se preocupar com as questões acadêmicas e de pesquisa. Como brinca um autor, "Lattes, Lattes meu, existe alguém mais produtivo do que eu?".

Enfim, de boa, chamem quem quiser de doutor, isso não modifica em nada a minha vida. Mesmo. Mas eu nunca chamarei um advogado de doutor, a não ser q ele tenha doutorado. E vou continuar achando engraçada toda essa deferência pomposa, ainda mais quando vem exigida, imposta, intimada, obrigada.

O fato da rainha Isabel ou Elisabeth (...) ter baixado um decreto pra agradar a um amigo, por si só, já devia ser motivo de vergonha, e não servir de base para argumentos... por causa de uma
politicagem, de um favor de amigos??? Sorry, not at all...

Graças a Deus a minha profissão não tem dessas coisas. E olha q, se alguém devesse ser chamado de doutor, deveriam ser os professores... esses sim, heróis de todos os dias da sala de aula, eles, os formadores de advogados, engenheiros, artistas, enfermeiros e tantos outros... Ok, abdiquei das minhas funções de professora. Sou uma reles revisora do português, amada língua q permite tantos usos e abusos. Contudo, ainda bem, não tenho estagiários pra abusar. Já fui estagiária, mas sempre fui muito bem tratada, e portanto não tenho a necessidade de alimentar esse círculo vicioso do ódio e da hierarquia, da submissão, eu suserano, vc vassalo, eu Tarzan, vc Jane, eu mais, vc menos. Em meu trabalho existe hierarquia, necessária. Mas somos todos colegas, alguns amigos, e trabalhamos juntos para o bem comum. E aqui não tem nenhum doutor. Ainda. Ainda bem.


Aceito críticas. Mas em formato de texto. Manda aí!

Nenhum comentário: