quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Cinderela, mera coincidência

A Gata Borralheira na verdade é uma gata. É que o borralho atrapalha um pouco. Mas é uma gata, mesmo fora dos padrões de beleza universais e imutáveis há tanto tempo já. Dizem que as gordinhas foram as gostosas de outrora. E que o padrão pode mudar. A Gata espera, mas já tá cansando. Porque as fotos que vocês vêm dela são modificadas pra fazer vocês pensarem que ela é linda de acordo com o padrão. Ela não é. Mas é gata. Ou Gata.

Pode ser chamada também de Cinderella, ou Cinderela. Enfim, são tantos nomes, tantos quanto as personalidades que ela carrega dentro de si. Tanto quanto as histórias mal-acabadas que ela tem pra contar.

Cinderela conheceu um príncipe massa. Mas ele estava comprometido com outra princesa. Daí Cinderela ficou amiga dele, amiguinha. E um dia o compromisso dele com a outra princesa se desfez. O príncipe veio correndo pra Cinderela, confessar seus sentimentos (nossa, que rapidez, príncipe!). Cinderela não acreditou. Não quis acreditar. Disse: “Parta em uma viagem, ó príncipe, e pense em mim, decida sua vida e volte em seu cavalo branco”. E o príncipe partiu. Com a princesa antiga.

Quaquaquá.

Cinderela conheceu um príncipe lindo. Mas lindo mesmo, lindo do queixo cair. Talentoso, o príncipe era um menestrel. Cinderela deixou que ele lhe fizesse a corte. Mas o príncipe não queria compromisso. Cinderela ia ao castelo do príncipe, por vezes passava lá noites, ela e o príncipe se viam praticamente todos os dias e todos sabiam que eles estavam juntos, mas não tinham nenhuma espécie de compromisso. Sabe como é, o príncipe lindo tinha sofrido muuuuuito com as princesas de antes. Tadico. Cinderela aceitava esse amor assim mesmo. Um dia, o príncipe terminou o relacionamento. Não estava pronto. Na mesma semana Cinderela soube pelas amas que o príncipe estava de compromisso com outra princesa.

Quaquaquá.

Mas esse mesmo príncipe voltou. O relacionamento com a outra princesa não deu certo. E Cinderela aceitou que ele lhe fizesse a corte, dessa vez ele até propôs um relacionamento mais sério, e Cinderela foi morar em seu palácio, com a sogra, a Rainha-Mãe. Mas o príncipe era um louco. Lindo, mas louco. Foi até ficando feio. Quebrou o sapatinho de cristal de Cinderela. E hoje outra princesa mora em seu castelo.

Quaquaquá.

Cinderela conheceu um príncipe muito sério. Então pensou “é esse. Tem que ser”. O príncipe tinha um castelo estranho, amplo. O príncipe dizia coisas estranhas, vagas. O príncipe era estranho. Estranho demais. Mas Cinderela fechava os olhos e dizia que queria. O príncipe era tão estranho que não deu certo (no fundo, ainda bem). Mas hoje está com uma linda princesa.

Quaquaquá.

Cinderela conheceu um príncipe muito legal. Parecia mais um bobo da corte, de tão engraçado. Nem era tão bonito assim, mas muito interessante. As amas e os pajens de Cinderela achavam que dessa vez ia. Que Cinderela podia ser feliz com o tal príncipe. Mas Cinderela não tinha certeza. Ficou uns dois anos num chove-não-molha, decido-não decido. Um dia, anos depois, perguntou na lata para o príncipe se ainda rolava. E nunca se sentiu tão humilhada. Cinderela queria mandar o príncipe enfiar a viola no saco e o resto no cu, mas era muito educadinha e não disse nada.

Quaquaquá.

Cinderela conheceu príncipes, muitos príncipes. Teve aquele inteligentíssimo, lindíssimo, cheirosissimo, que nunca rolou, e ela suspira até hoje quando pensa. Teve aquele que era um amor, mas não dava pra levar adiante, pena; nem Cinderela consegue explicar por que ela não quis, mas não rolava. Aliás, desses foram três. Três príncipes muito bacanas, partidões, mas Cinderela é burra. Teve aquele príncipe que era todo errado, e Cinderela desistiu no meio. Teve aqueles príncipes que escondiam que já tinham suas princesas. Teve aqueles príncipes que na verdade eram reis, os que eram servos, os que eram pajens, os que eram quase princesas (ui). Teve os menestréis, os vilões, os algozes, os fugitivos. Tantos, tantos, tantos que passaram por sua vida, alguns pelo seu coração, alguns pelo seu convívio, alguns por sua boca, outros por um pouco mais que a boca. Mas no fundo, no fundo, Cinderela está sozinha. Ou melhor, solteira. Porque os príncipes vêm e vão. E é natural que assim seja, até que o príncipe certo venha e não se vá. Ou não se vá tão rápido, porque ir todos vão, até ela, Cinderela, vai.

Enquanto isso, Cinderela trabalha. O borralho enche a cara e o corpo dela. Então ela toma um banho, se veste, se arruma e se prepara. Se pinta, se penteia, se enfeita. E sai. Mas ninguém a vê. O mundo conta as pessoas aos pares. Casais. Princesa e príncipe. Cinderela é solteira. Cinderela é Gata Borralheira. Cinderela fim de noite.






Foto: Dina Goldstein.

Confesso que rola uma identificação.

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