sexta-feira, 27 de junho de 2008

Doeu. Dói.

Ontem eu prendi minha mão no pedestal do microfone. Eu fui mexer nele durante o show, calculei errado, ele escorregou e prendeu a pele da palma da minha mão, bem na base do dedão. Bem onde o dedo médio bate quando a gente estala os dedos. Doeu muito. Ficou uma bolha preta de sangue pisado, e em volta a pele toda vermelha. Na hora, a dor foi muito foda. Mas eu estava no palco, estava cantando, estava sendo observada por uma galera, e então tive que fingir que nada tinha acontecido. Até porque ninguém percebeu. Só perceberiam se eu tivesse dado bandeira. Se eu tivesse feito uma cara de dor ou tivesse dito "puta que o pariu!". Mas eu não disse. Eu fiquei de boa. Não fiz cara de dor, engoli a dor. E isso me fez pensar.

Pensei nisso como uma metáfora das vezes em que a gente leva um baque da vida e tem que fingir que tá tudo nos conformes. Quando acontece alguma coisa que tira o seu chão, e mesmo assim você tem que flutuar e dar um jeito de ninguém perceber que tem algo errado com você. Quando te dão uma porrada com um pau nas canelas e você cai de cara no chão e se estabaca todo, mas tem que fingir que abaixou pra pegar alguma coisa. Quando a vida te enfia uma faca nas costas e você tem que continuar respirando normalmente e conversando com todo mundo.

Você tem que sorrir. Porque você não quer dar o braço a torcer. Você não quer que vejam que você está acabada, triste e sem chão. Você tem que dar um jeito de continuar a falar de qualquer assunto, com cara de interesse e de conteúdo, como se o que aconteceu não tivesse significado nada pra você. Você quer se mostrar forte e superior. Então você continua a andar, mesmo com a facada no peito, mesmo com o sangue escorrendo e formando uma poça no chão, e é preciso cuidado pra não escorregar nele.

Quando chega aquela pessoa que significa muito pra você, mas ninguém pode saber, você finge que não viu. Ou pior, finge que é normal, que aquele é só mais um ser humano. Você pode amá-lo ou odiá-lo com todas as suas forças, ele pode significar muito pra você mesmo que você não saiba explicar o porquê, mas você finge que ele é só mais uma pessoa comum. E faz caras comuns e conversa assuntos comuns e tenta ignorar que dentro do seu peito tem alguma coisa batendo desesperadamente, que a sua mente está gritando com você no tom mais agudo de desespero, você passa por cima de tudo e diz "oi". A sua cabeça se divide em duas, você se divide em duas pessoas: uma está ali agindo normalmente; a outra está morrendo de dor, de desespero, de angústia, de vontade, e o pior é que tem consciência disso e fica tentando controlar sua outra metade para que ela pareça normal, a metade que aparece pros outros.

Eu odeio fingir, odeio esconder meus sentimentos e pensamentos. Tento ser uma pessoa sincera. E eu sou. Mas muitas vezes, pro meu próprio bem, pra minha própria sanidade e pra minha auto-estima (que não é mesmo grande coisa), eu tenho que fingir que não dói. Eu tenho que fingir que não me incomoda, que não me dilacera, que não me mata aos poucos. Então eu finjo. É algo que me dá muito trabalho, que me desgasta, que me consome. Mas eu já aprendi a conviver com isso. Lá no fundinho do meu eu tem um monte de caquinhos de vidro. De muita coisa que se quebrou. Eles nem fazem mais barulho, eu não deixo. Só eu ouço os ruídos, que pra mim são urros. Mas ninguém mais toma conhecimento.

Eu sorrio, e continuo falando. Prende a minha mão e dói muito e eu tenho vontade de chorar e de gritar, mas eu mexo no cabelo e continuo cantando. Porque eu não posso parar.

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