domingo, 20 de outubro de 2013

Fantasma

Sabe quando você é visitado por um fantasma? Um fantasma do passado. Mas pensa bem do passado mesmo, e não só porque já faz muitos anos, mas porque o fantasma era você, mas você no começo. Quando tudo era lindo, lembra?

Começou sem querer. E na verdade, vamos deixar claro desde já que isso não significa nada. Isso não muda nada, porque eu consegui, hoje eu consigo pensar em você e nem raiva mais eu sinto. Juro mesmo. Ficou mais o hábito de falar mal de você do que qualquer sentimento de verdade, mesmo os ruins. Então, não, esse não é um post de saudade, nem de vontade, é somente um post do dia em que o fantasma de você no início me visitou. E isso não muda o fato de você ter sido e ser um cuzão, não muda nada, mas eu precisava contar aqui.

Começou porque eu passei sem querer em frente da casa onde a gente morou. É bizarro passar ali, acho que eu não passava há um bom tempo. E foram muitas coisas ruins naquela casa, e a primeira coisa que eu lembrei foi da nossa briga, a última, naquela rua, em frente àquela casa. Mas depois eu lembrei outras coisas. Lembrei da noite na Courier, lembrei de muitas noites incríveis naquele quarto pequeno, lembrei de tantos filmes naquela TV gigante, lembrei da piscina, da banheira, da cama, o que eu mais lembrei foi a cama, porque era onde a gente mais ficava, mesmo. E era tão legal, vamos ser sinceros. Era legal pra caralho, no começo. O que não muda em nada o fim.

Daí que eu fui pra um lugar em que o som era você. Era a sua cara. Era você. Você ia ter curtido muito, e eu até sei a cara que você ia fazer, sei como ia balançar a cabeça, sei como ia dançar e eu ia morrer de rir, e você ia rir junto e ia ser assim. Daí eu lembrei de tantas baladas dessas que a gente viu junto, de tantos shows e de tantos lugares, lembrei de uma noite no Informal (há milênios) que a gente teve que sair correndo pra casa porque não conseguia ficar perto um do outro sem se comer. Lembrei de um show que a gente fez e que depois foi uma coisa tão incrível, essa é uma noite que eu me lembro muito bem. Lembro das caras que você fazia em determinados solos, lembro das nossas piadas nos solos de piano, lembro das gargalhadas por causa dessas caras. Lembro que a gente nunca precisou beber muito pra se divertir, porque você me fazia morrer de rir, e o nosso lance era o som, não a bebida, a gente não precisava ser outras pessoas, nós mesmos éramos o que a gente queria ser e o que queria que o outro fosse. Tá, tem aquele outro lance, mas isso também fazia parte, principalmente de você. Era muito legal curtir um som do seu lado. O que não muda em nada o fim.

É que foi muito estranho estar num lugar que era tão a sua cara, e estar sem você. E não é que eu quisesse que você estivesse lá, por favor, entenda, você sempre foi muito inteligente. É que eu acho que não estou acostumada a estar num lugar tão você, num som tão você, mas sem você. Não que seja ruim. Eu me diverti. Mas é uma forma diferente de diversão, e é muito louco comparar. Eu não queria o meu namorado do começo de volta, não. Eu não quis você lá. Mas era como se você fosse entrar a qualquer momento, segurar minha mão, fazer uma piada com o agudo do teclado e a gente ia cair na gargalhada. E não foi triste isso não acontecer, foi só diferente. Ninguém vibrava comigo no solo de trombone, ninguém ria do chicken groove, e daí eu vi como estamos velhos, como passou tanto tempo daquele tempo, aquele tempo em que você era legal e eu era legal, e a gente era legal junto, e hoje somos pessoas tão diferentes, e tudo bem isso, mas sei lá.

Eu não tenho medo de fantasma. Não desse, pelo menos, porque é tão irreal que nem assusta. Na real, o seu fantasma me traz o meu próprio fantasma, aquela Juliana que eu fui há tantos anos atrás, e que te encantou e eu nem acreditava que aqueles olhos de um azul tão estranho olhavam mesmo pra mim. Porque quando você se interessou por mim eu vi o quanto eu era mesmo interessante. E depois, por milhões de motivos, eu deixei de ser. Mas isso é natural, porque você também virou o monstro. E isso não muda em nada o fim. Hoje eu vejo uma outra Juliana, muito interessante também, mas de outro jeito. E estar naquele lugar, tão perto daquela casa, com aquele som tão você nos meus ouvidos e na minha pele me fez sentir um pouco estranha. Estranha porque não doeu. Estranha porque foi racional - pensamento. Não sentimento. A gente vai ficando velha e sente tudo de outra forma. Não deu saudade, eu simplesmente lembrei. Como a gente lembra de um colega de classe que era legal, mas não tem vontade de encontrar. Como a gente lembra de um doce que comeu e foi bom, mas sem vontade de comer de novo. Saca?

É possível lembrar de você e não sentir nada. Juro! E isso nem é motivo pra felicidade ou orgulho, é só uma constatação. É possível lembrar do que você foi no começo, do que a gente era no começo, sem ter que lembrar do meio e do fim e sofrer com isso. É possível olhar esse fantasminha e fazer oi com a mão. E seguir, abrir outra cerveja e olhar pro futuro que me espera.

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