Enquanto ele fala eu olho pras
mãos dele. Olho pros dedos, na verdade. Eu ainda me lembro, e eles são tão
bonitos. Eu olho no olho dele e eu me lembro perfeitamente de como era olhar
muito de perto. Ele fala e eu, que não ouvia essa voz há tantos anos, começo a
me lembrar. Lembro da suavidade, da leveza, da calma. Mas de repente eu me
lembro também do calor, e então parece que eu fico quente. E eu tenho vergonha,
porque parece que está escrito na minha cara, que ele poderia ler, se quisesse,
tudo o que estou pensando. Mas não é isso. Não foi por isso que eu vim.
Então eu me concentro de novo,
mas quando noto meus olhos já escorregaram pros dedos dele de novo. Brancos.
Lindos. Eu vejo as veias verdes nos braços brancos, eu me lembro. E volto pros olhos, e tento ficar ali o máximo de tempo que eu
conseguir, porque eles são lindos, porque ele é lindo, por fora e por dentro, porque ele é, sem sombra
de dúvida, um dos caras mais incríveis que já passou pela minha vida, e eu
então me lembro. Foi por isso que eu vim.
Ele canta, porque ele é desses.
Ele canta e eu quase esqueço tudo ao redor. Eu queria sentar mais perto. Eu
queria sentar do lado e pegar nele, e sentir a pele dele, mas não foi por isso
que eu vim. Eu percebo que eu tenho vontade de abraçá-lo bem apertado, sem
pedir, sem motivo, sem avisar, mas eu não tenho esse direito. A gente não se vê
há tanto tempo, eu não quero parecer estranha, eu não posso pedir nada. Mas eu
queria pedir bem pouco, na verdade. Queria pedir pra ele cantar mais, pra ele
deixar eu chegar mais perto, pra gente sair daquela luz toda, pra gente ir pra
rua e sentar na calçada, pra ele deixar eu encostar minha cabeça no braço dele
e ficar assim. Eu juro. Era só isso.
Eu ainda vejo todas as cores.
Todas elas. Elas estão ali, desde então. Todas elas. Elas me encantam de um
jeito novo e velho, elas me dão vontade de ser colorida também. Porque ele não
é colorido só por fora. E talvez eu só veja isso agora, tantos anos depois.
Porque eu sou monocromática, vermelha, toda vermelha. Eu não tenho cores
suaves, porque elas ficam escondidas numa prateleira lá dentro, bem no fundo.
Mas a paleta dele me dá vontade de me pintar. De amarelo, de verde, de branco,
de rosa claro. Foi por isso que eu vim, mas eu nem sabia.
Eu nunca soube. Mas agora eu sei.
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