quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Folhetim Vagabundo - História 5 - Capítulo 4 - Consciência

Essa história começou aqui, ó!

Agora, leia o capítulo 4:


Sentindo o coração palpitar, Helena pensava: “Preciso descobrir algo sobre essa história toda...”. Criando coragem, disse:

- Interessante essa sua tatoo... Tem algum significado?

Arregalando os olhos, Marcelo respondeu:

- Tá louca, Leninha? Ih, hoje você tá muito estranha... desde manhã, nem me cumprimentou direito no elevador... Bom, tenho que atacar, depois a gente se fala, gata.

Ao ouvir essas palavras, e sentir o apertão que a mão do saxofonista dava em sua bunda, Helena ficou desconcertada. Enquanto observava o músico voltar ao palco, o chão se abria a seus pés. Que foi isso? Que intimidade era essa? Leninha? Gata?

Não teve tempo para terminar suas perguntas. Uma música envolvente penetrava em seus ouvidos, esquentando o corpo todo. A visão de Helena ficou turva, o mundo foi rodando e ela precisou se sentar. Nada mais parecia fazer sentido, e então tudo começava a fazer sentido. A música preenchia tudo. Quase tudo. Em sua mente, ainda havia um espaço para tentar pensar. A música viria em breve, era preciso ser rápida, antes que apagasse todo e qualquer vestígio de sanidade, de racionalidade.

Leninha... aquela intimidade com o saxofonista... Catarina Sampaio, a vítima... Helena sentira que a conhecia de algum lugar, mas não conseguira encaixar direito de onde... encontros de elevador não explicavam aquela sensação forte de familiaridade... A música não parava, estava invadindo cada vez mais todos os sentidos e todos os espaços de Helena. “Preciso fazer com que algo faça sentido logo, ou vou apagar”. E, vagarosamente, as coisas começavam a fazer sentido, mas um sentido estranho. Helena começou a entender o porquê da sensação de tédio em sua vida, o porquê do cansaço extremo que sentia quando acordava 6h15 da manhã e o porquê de ficar apertando o botão de soneca. O porquê da sensação de semivida. O porquê da ironia de Seu Jorge, o porteiro, perguntando se Marcelo estava a incomodando com o barulho... o barulho era dela! Eram seus gritos e gemidos, vindos do apartamento do saxofonista, não a música! Não, não podia pensar na música, precisava se concentrar e entender essa bagunça toda. Frases, sensações e imagens dessa segunda-feira estranha vinham à sua mente e adquiriam novo significado. A sensação de semivida... Adorava apontar seus lápis com canivete, sentia até alguma espécie de prazer com aquilo... A vítima, que não parecia estar com medo, fumando um cigarro atrás do outro... o rosto de Marcelo no retrato falado...

O rosto de Marcelo de madrugada, muitas madrugadas, lençóis, travesseiros, chuveiro, o saxofone no canto do quarto, o relógio marcando 4 horas da manhã. Por que Helena não se lembrava de todas essas coisas? Por que só agora, com essa música, a verdade veio à tona?

Uma nota grave, profundamente grave, fez com que Helena engolisse em seco. Entendeu tudo em uma fração de segundos. Ela tinha uma segunda vida. De que nem ela mesma sabia. Uma vida de madrugada, diferente da vida de durante o dia. Uma vida inconsciente. Marcelo só conhecia a Leninha, essa da noite. Mas e ela? Quem ela conhecia de fato? Quem era ela de fato? O que ela tinha a ver com Catarina, com o estupro, com toda essa história?

Sentiu que ia desmaiar. Mas era somente a música de Marcelo arrastando seus últimos fios de consciência, levando embora Helena e deixando Leninha em seu lugar.

Sorrindo, Leninha retira da bolsa um cigarro e o acende, observando a pequena estrela tatuada no dorso de sua própria mão, que segurava o isqueiro.


O fim de tudo isso? Amanhã, no blog do Du.

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