sexta-feira, 2 de julho de 2010

Madame Bovary + Noite de Lua = eu estupefata.

Madame Bovary foi o único dos livros da lista do vestibular que eu pulei, quando prestei Unicamp em 1999. Juro. Li todos os outros, menos este. Tanto é que entrei e me formei. Agora, no curso de Jornalismo Literário (extensão), tive a oportunidade de ler de novo. Ou melhor, tive de novo a oportunidade de ler. E, dessa vez, estou lendo. Não posso deixar de colocar aqui três passagens tão bonitas, mas tão bonitas, com as quais rola uma certa identificação. De leve. Aproveitem e leiam ouvindo isso aqui.

1) Da espera.

“Bem no íntimo, contudo, esperava um acontecimento qualquer. Como os marinheiros em perigo, relanceava olhos desesperados pela solidão da sua vida, procurando, ao longe, alguma vela nas brumas do horizonte. Não sabia qual o acaso, o vento que a impeliria para ela, e qual a praia aonde se sentiria levada; seria chalupa ou nau de 3 pontes, carregada de angústias ou cheia de felicidade até as bordas? Todas as manhãs, ao acordar, preparava-se para esperar o dia inteiro e aplicava o ouvido a todos os rumores; levantava-se em sobressalto, admirando-se de que tal acaso não surgisse; depois, ao por do sol, cada vez mais triste, desejava encontrar-se já no dia seguinte.”


2) Da conversa.

“Não teriam nada mais a dizer um ao outro? Os seus olhos, contudo, transbordavam de uma conversação mais séria, e, enquanto se esforçavam por encontrar frases banais, ambos se sentiam invadidos pela mesma languidez, era uma espécie de murmúrio da alma, profundo, contínuo, que se sobrepunha ao da voz. Tomados pela surpresa desta nova suavidade, não pensaram em falar um ao outro da sensação que lhes causava, nem em descobrir-lhe a causa. As felicidades futuras, como as praias tropicais, projetam na imensidade que as precede os seus langores natais, uma brisa perfumada, entorpecendo-nos numa embriaguez que não nos deixa inquietar com o horizonte que não se vê.”


3) Do amor.

“Quanto a Emma, não se interrogava a si mesma para saber se o amava. O amor, segundo acreditava, devia surgir de repente, com grande tumulto e fulgurações - tempestade dos céus que cai sobre a vida e a revolve, arranca as vontades como folhas e arrebata para o abismo o coração inteiro. Não sabia que, nos terraços das casas, a chuva forma lagos quando as goteiras estão entupidas, e assim vivia confiada na sua segurança, quando subitamente descobriu uma fenda na parede.”


Não é bonito demais? Eu achei. A espera, quando se sabe que algo vai acontecer, mas não se sabe quando, nem de onde virá. E sempre vem de onde menos se espera. A conversa, quando o que menos importa são as palavras. E a descoberta de que algo não está exatamente como estava, normal... uma fendinha na parede que mostra que já não estamos tão seguros quanto imaginávamos estar... as poças que se formam silenciosas, por algum tempo. Mas, quando se vê a fenda,´então tudo já está perdido.
Palmas. A veia aqui descobre Flaubert aos 29 anos. Antes tarde do que nunca.


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