quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Sozinha

Sozinha. Olho minhas fotos e estou sozinha. Tenho boas companhias ao lado, mas estou sozinha. Mas sabe que eu gosto?

Acordo sozinha, vou pro trabalho e dele saio sozinha. Dirijo de volta pra casa cantando, sozinha, sorrindo. Vou com meu carro pra onde quiser, compro ou não o que quiser. Durmo à tarde, se me der na telha. Quase sempre dá. Se não der, leio, estudo, canto, trabalho. E não preciso contar nada pra ninguém, não preciso prestar contas, posso sair ou ficar, posso tomar banho agora ou depois, posso lavar o cabelo hoje ou amanhã. Lavo hoje. Me sinto leve.

Não tenho que ligar pra ninguém. Eu ligo, porque quero, mas se não quiser não é nenhum desespero, nenhum trauma. Assisto aos filmes que quero assistir. Faço uma lista daqueles que tenho que ver e ainda não vi, e pretendo ver um dia. Sozinha ou não. Não importa. Não dói mais.

Coloco a roupa que quiser, hoje menina, amanhã mulher, terça-feira camisola. Agrido as calçadas com minha bota pesada, coturno toc toc. Eu posso. Subo num salto porque quero. Hoje, rasteirinha, arrastando minha preguiça.

Ouço Gismonti e choro, sem motivo. Motivo: a beleza da arte. Como é lindo. Ouço Maria Rita e canto com ela e dou risada quando desafino ou quando a voz falha ou quando faço algo engraçado com a voz. Não tem ninguém pra ver. Às vezes eu queria que tivesse. Às vezes dou graças a Deus que não tem.

Penso em muitas pessoas. Em pessoas queridas que poderiam estar mais perto. Em pessoas queridas que ainda bem que estão longe, porque causam dor. Em pessoas que odeio, e nessas penso pouco. Tanta gente de quem quero me aproximar. Tanta coisa pra fazer. Pra fazer sozinha. Vou ali e já volto. Mas ninguém precisa saber.

Tantos livros pra ler! Tantos filmes pra ver, tanta bagunça pra arrumar, desde os meus papéis, passando pelo meu corpo, até os meus pensamentos. Tantas músicas para aprender, tantos textos para escrever, tantas coisas pra conhecer, pra aprender, pra ensinar. Não vou dar conta. E isso ocupa minha mente por demais. Essa ânsia tira o espaço da frustração que antes eu criava pra mim por ser sozinha. Sou, mas quem não é? Atire na minha boca o primeiro beijo o ser humano que não é sozinho.

Menstruo e me sinto mulher, me sinto limpa, me sinto no meu ciclo e na minha obrigação, no meu prazer. Me sinto especial, me sinto parte, me sinto todo. Me sinto toda, inteira, eu. Pela primeira vez. Sozinha de fato.

Abro a janela e vejo um bando de gente. Hoje não quero, hoje quero só a mim. Amanhã talvez. Entrem, mas sem pressa, entrem quando e como quiserem, mas com vontade, mas de verdade, porque tem que ser, se tiver. E se não tiver, não se incomode. Tô bem. Sozinha.

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