sexta-feira, 30 de outubro de 2015

There is no spoon.

Então é assim. O ser humano é complicado, disse meu amigo. Um universo dentro de cada um. E a gente nunca consegue entender esses universos paralelos. Mas não são exatamente paralelos. Às vezes eles se cruzam. E daí é tão gostoso. Não precisa tentar entender. A gente nunca vai conseguir, mesmo. Se a gente conseguir só curtir esses momentos em que os universos se encontram, se a gente conseguir não pensar, só sentir, a gente consegue ser feliz. There is no spoon.

Ele me encanta de um jeito que eu não consigo explicar. Não consigo. Eu olho os dedos da mão dele e não consigo nem dizer exatamente o que eu sinto. Aqueles dedos quadrados e brancos. A gente conversa por horas enquanto o sol pensa em sair do seu esconderijo, a gente fuma mil cigarros, o céu vai mudando de cor, a noite passa de quente pra fria, depois o dia amanhece e esquenta de novo, e ele sua no meu travesseiro e o cheiro que sai da nuca dele é a coisa mais gostosa do mundo, mistura de perfume com suor e xampu. Eu olho pra ele e penso que eu sei um monte de coisas banais sobre ele, mas ao mesmo tempo é como se fosse um desconhecido, quem é esse menino, quem é esse homem, quem é esse carma na minha vida, quem é esse universo paralelo que quando tromba com o meu me deixa assim, às vezes entregue, às vezes na defensiva, mas sempre um pouco louca.

Ele me abraça e coloca um som, e eu fico olhando a mão branca dele tocando air guitar no meu travesseiro, e tem um sorriso besta que se instala no canto da minha boca e não quer mais sair, mas eu não quero ficar tão feliz, porque isso não significa nada, eu não sei o que isso significa, eu não sei quem ele é, eu não sei o que ele pensa, eu não entendo o que ele quer, eu nem entendo o que eu quero. Eu quero ficar aqui, ouvindo esse som, ouvindo ele cantar na minha nuca, olhando aqueles dedos quadrados e brancos e não quero pensar em nada, no que vai acontecer amanhã, no que aconteceu há dois anos, eu só quero conseguir curtir esse momento, there is no spoon, não existe nada no mundo, só essa sensação, então eu fecho os olhos e o maldito sorriso continua no canto da minha boca. Porque esse sorriso é um trouxa, esse sorriso não sabe de nada, não sabe da novela mexicana que essa história é, não sabe que, ao mesmo tempo, não tenho nada pra contar, porque eu não entendo nada, eu não consigo pensar, eu só sei que quando ele tá aqui é bom demais, e isso basta. Eu não sei quando ele vem de novo, às vezes eu acho que eu sou uma trouxa nessa história, mas quando eu vejo ele chegando eu esqueço de tudo, eu só quero que ele entre logo no meu carro, eu só quero sentir a pele quente dele na minha, quero passar os meus dedos naquele cabelo, quero aquela boca, mas não me entendam mal, parece papinho de apaixonada, mas não é, as coisas não são tão simples assim, eu não consigo dar nome pra isso.

Eu não consigo pensar racionalmente. Eu quero pensar em todos os defeitos dele pra me convencer de que essa história é uma furada, de que eu tô perdendo tempo. Mas, quais são os defeitos dele? Quais são os meus defeitos? Quais são os defeitos que importam? Nada me importa na vida quando eu sinto a barba dele na minha nuca, nada interessa quando ele olha no meu olho e dá aquele meio sorriso, nada existe quando a gente tá debruçado na sacada falando qualquer merda e a tatuagem do braço dele encosta no meu braço e eu fico mole. E depois, quando ele vai embora, a vida segue, eu tenho provas pra corrigir, eu tenho amigos pra receber, eu tenho planos pra fazer, a vida dele segue lá e a minha segue aqui, daí eu tô no meio de um conselho de classe e nem lembro que ele existe, eu tô com os meus colegas falando de trabalho, o meu coordenador está falando algo importante e eu me sinto viva, trabalhando, tentando fazer a diferença, daí eu lembro dele me chamando de “dona do morro” e começo a dar risada do nada, e daí eu volto ao trabalho com aquela merda daquele sorriso de canto de boca. Eu tô de boa na minha casa assistindo Fera Ferida no Viva, e eu nem lembro que ele anda sobre o planeta Terra, daí me vem uma imagem dele em cima de mim e eu penso que ele poderia estar aqui, daí eu decido dormir, mas antes passo creme nos pés, sorrindo. Tem momentos em que eu nem me dou conta de que ele está por aí, andando e respirando, mas daí quando eu vejo ele chegando eu não consigo mais lembrar por que é que eu deveria estar brava, eu só quero que ele acenda um cigarro e me conte alguma história engraçada ou fale aquelas frases sem sentido que ele tira do nada. Daquela cabeça louca, que eu nunca vou conseguir entender.

Acho que não preciso entender. De perto, ninguém é normal. E bem de pertinho ele é muito maluco. Mas eu adoro. E eu também sou. E ele canta baixinho, e depois fala uma frase de um vídeo, e depois a gente dorme, e depois o dia amanhece e eu faço ele tomar um iogurte, e daí eu tenho milhões de coisas pra fazer, e o céu está azul, e a minha família é linda, os meus amigos são incríveis, a minha vida é boa demais, e eu sei que ele volta. E, quando ele volta, o mundo para, mas ao mesmo tempo continua a rodar. E mais um capítulo da minha novela mexicana favorita vai sendo escrito, e eu adoro.

O Neo diz que não acredita em destino porque não gosta da ideia de que não podemos controlar nossas vidas. Mas tem coisas que não acontecem à toa. E eu não quero controlar nada, não. Não quero. Não quero pensar. Não quero teorizar. Quero só sentir. Quero entender que quem se dobra sou eu, e não a colher, porque não existe colher. Não existe nada. There is no spoon. E talvez a vida seja mais fácil assim.


   

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