Eu deitei pra ler um pouco, coisa
que há muito tempo não fazia, com a correria na qual a minha vida se
transformou ultimamente. Deitei, li e acabei dormindo pesado. Tão pesado que
sonhei. E sonhei com você. Lá estava você, no meu sonho, e era natural, como é
estar ao seu lado. E era bom, como é de verdade quando você está por perto. Era
calmo, como você. No meu sonho, você sentava pra ver TV com meus pais enquanto
eu lavava uma louça de tuppewares que não acabava nunca, potes de todas as
cores, já limpos, e eu lavava e lavava, e eles faziam espuma, e eu lavava mais.
E todos nós conversávamos. E meus pais te adoravam, apesar de ser a segunda vez
que te viam. Adoravam você como eu adorava no sonho, e mesmo eu ali numa espuma
de louça infinita, mesmo assim eu me sentia calma, porque olhava pra você e
dava com o seu olhar calmo, do jeitinho que ele é na vida real. E foi só isso
que aconteceu, nada mais. Como na vida real, em que nada acontece. Mas eu ali
no sonho lavava louça e escutava sua voz mansa, e ria junto com a sua risada
contagiante, e ficava calma com o seu olhar calmo, e o fato de você estar lá me
enchia de alegria, mas não de euforia, uma alegria calma, que eu não sei o que
é há muito tempo. E minha mãe não acreditava que a gente era só amigo, e ficava
dando aquelas indiretas que me enchiam de vergonha, mesmo no sonho, parece que
meu corpo, dormindo, sentia a pele esquentar pela vergonha que eu sentia no
sonho. Mas você não ligava, só fazia aquela cara simpática que você faz com
todo mundo, me olhava com aquele olhar calmo e intenso ao mesmo tempo, e eu
sabia que tudo ia ficar bem, que tudo estava bem, que você estava lá. E a
espuma dos tuppewares só crescia, eles brilhando de tão limpos, e eu ali
lavando, e eles não acabavam nunca, mas eu nem tinha pressa, porque não sabia o
que ia acontecer quando eu acabasse de lavar. Meus pais te adoraram logo, como
aconteceu comigo. Afinidade é uma coisa louca. Desde o primeiro momento eu
curti, que coisa maluca. E agora ali estava você no meu sonho, do mesmo jeito
que chegou na minha vida, sem avisar, sem se anunciar, foi chegando e sentou no
sofá da minha alma, começou a bater papo e de repente cá estou eu sonhando com
você. E é tudo tão calmo e de boa que me assusta. Quando acordo, penso, com o
coração disparado, “Caralho, sonhei com ele!”. Medo do que isso significa. Eu
sei que foi porque vi você no Face como amigo em comum de uma pessoa em cujo
perfil entrei. Foi só isso. Bastou. Ver sua foto por um segundo fez com que
você aparecesse no meu sonho, entre conversas de pai, água gelada e espumas
infinitas. E eu tinha que escrever isso, colocar pra fora, porque senão vou
enlouquecer. Porque eu não tenho esse olhar calmo, essa fala mansa, porque aqui
dentro de mim é correnteza, é olhar de mira a laser, é bateria de escola de
samba. E se eu não coloco isso pra fora, eu enlouqueço. Pronto. Já posso vestir
a máscara da indiferença de novo, a cara de surpresa e de “Oi, tudo bem”, a
expressão de “nem tinha visto que você chegou”, quando a verdade é que assim
que você pisou no ambiente eu comecei a respirar melhor. Louca, eu sei. E nem é
nada. Se você me perguntar o que isso significa, eu não sei. Eu não sei o que
sinto, não é assim simples, coisas de novela, não é Malhação. Eu só gosto
demais da sua presença, da sua companhia, e por enquanto é só isso. E nem pode
ser mais que isso. Enquanto você leva sua vida, conquistando as pessoas com sua
conversa boa, sua fala calma e seu olhar manso, eu fico aqui lavando louça, com
um sorriso besta de canto de boca, me perdendo na espuma que só aumenta e
torcendo pra ela não acabar nunca, pra ela crescer e me cobrir, e assim ninguém
vai ver o meu olho que brilha quando você chega. E é só isso.